Longe de querer tornar
este o texto dos blogs: ele não tem tempo para essa pretensão ambiciosa. Antes,
algo humilde. Talvez, um pequeno fio de lã, que se perde quando arrancamos com
força daquela camisa linda que compramos, e não queremos fiapinho sobrando. Mas
se o espaço é justamente para dizer, tento enrolar o fio de lã nos dedos,
apertá-lo contra a forma, para depois soltá-lo.
Ontem, ligeiramente
perdido em pensamentos quando sentado no ônibus, tendo a paisagem passageira
correndo diante de meus olhos, uma senhora passageira sentou-se ao meu lado,
com o aspecto cansado. Devia ter por volta dos sessenta anos, quem sabe um
pouco menos. A idade biológica não serviria, certamente, para contar o tempo de
vida. A vida já parecia ter vencido a biologia há muito tempo. Não era tão
velha, mas cansada e passageira. Desceria daqui a pouco, em bairro próximo. E, sentando-se,
começou a desenrolar o próprio fio.
Havia tido um sonho
terrível. Em seu sonho, ela subia e descia, subia e descia, subia e descia uma
montanha, morro, vale, altura. Presa à maldição do pisar cego, estava perdida
em seus caminhos. Não sabia para onde ia, tampouco o que fazia. Só tinha a
certeza de que subia (descendo). Paralelo ao sonho, a realidade a colocou em
panos quentes. Contou que, naquele dia, havia pego o ônibus errado, indo parar
em um lugar longe. E teve de andar e andar, subir e descer, procurar e procurar
por ruas e ruas, ônibus que a faria voltar para casa. Enquanto em seu sonho, no
pé da montanha, havia água, pura e mística. Fora dele, pessoas
que davam as informações. Pessoas que fluíam de um lado para o outro,
procurando no tempo o vestígio do passo deixado para trás.
Ela continuou, soltando
frases religiosas: “o inimigo, ele é ruim, mas Deus é bom”. Quis saber, mas não
arrisquei, quem era o inimigo. Dos informantes que passavam, alguns diziam para
ela pegar o ônibus X, outros o ônibus Y, outros Z. Eram eles os inimigos que a
confundiam? Talvez fosse a matemática, afinal, esses ônibus, eles confundem a
gente. Quando entrou, me perguntou: “esse é o [número matemático]?”. Sim, era
este. E o respiro pareceu de alívio, mas era revoltoso. O inimigo estava a
espreita, mas Deus não o deixaria vencer. Não poderia, fosse ele quem fosse.
Infelizmente, a saúde
não ia bem. No sonho, depois de algum tempo, alguém passava em sua pele
qualquer tipo de água ou lama mística, amarela e curativa. No ônibus, um vendedor
vendia balas, ventando palavras de vontade de venda. Comprou duas caixas,
dizendo que aquelas mentas eram boas para saúde. Inferi que, dentre elas, devia
haver uma amarela, remédio ainda indescoberto, mas que o sonho tinha já
avisado: amarelo, yellow, giallo.
Quis uma bala, mas não
a pedi. O ônibus subiu uma subida, estrondou em barulho de carroça e percebi
que aquela era a última subida do caminho. Descendo, ela chegaria em casa, para
não subir de novo.
Lulu I.
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